terça-feira, 19 de junho de 2012

Alquimistas Modernos



É pó, é pedra, é a droga ferina
É um resto de crak na mão da menina
É a chama do bic, é o trago, a fumaça
É a mente, é a morte, é o vício, a trapaça

É o fumo na seda, é a poeira profana
Bagulho, bagaça, é a Maria Joana
É a carreira em pó, caminho da cana
É o ministério da morte, é o engana ou esgana

É a vida vazando, é o fim da bagana
É a fibra, é o afã, vontade banana
É a rua roendo, é a face tirana
Dos filhos das drogas, é o céu a cabana

É o pé, sem o solo, é a vida mundana
Caminho sem rumo, doideira insana
É uma queda do abismo, é um voo fatal
É um salto, é um pulo, é um baque mortal

É o fundo do foço, é a droga ferina
No rosto deposto, resto de menina
É um se estrepa, num prego, por uma ponta no ponto
É um trago tragado, é a conta, é "deiz conto"

É um troco, é uma esmola, é a moeda brilhando
É o relógio tomado, é o Zé esperando
É a bolsa, é o anel, é a corrente roubada
É a alquimia inversa, é a pedra virada

É o desafeto da casa, é o corpo na pira
É o corre, é o pega, é "os tira", é "os tira"
É um laço, é uma forca, é uma prece, é vã
É a vida perdida, a heroína é vilã

São os filhos das drogas abrindo o portão
É a promessa de medo no meu coração

É quem cobra o pó, se é João ou José
Traficante é inimigo, é um tiro no pé
São os filhos das drogas abrindo o portão
É a promessa de medo no teu coração

É pó, é pedra, é a droga ferina
É um resto de crak na mão da menina
É um laço, é uma forca, é uma prece, é vã
É um são Paulo doente no divã

São os filhos das drogas abrindo o portão
É a promessa de medo no meu coração

Pé, pedra, droga, ferina
Resto, crack, mão, menina
Chama, bic, trago, fumaça, mente, morte, vício, trapaça
São os filhos das drogas abrindo o portão

É a promessa de medo no teu coração

19/06/2012

sexta-feira, 8 de junho de 2012

A Balada da Balada Abalada



Devora-me um pavor medonho
Se sinto amores reais:
Sentir, por si só, é enfadonho
Estranho e um tanto mordaz!
Dói-me amar assim, por demais,
Um objeto de distração
Que me faz desejar, tenaz,
Calar a voz do coração.

Não mais ao amor me disponho
E suas promessas carnais:
O desejo é o que suponho
E não o ter, o que me apraz.
Cansa-me suspirar os ais
Que me esfacelam a emoção;
Devo, para encontrar paz,
Calar a voz do coração.

Amo, hoje, em pensamento ou sonho,
Para além disto nada mais...
E este amor, que à mente proponho,
É o que me basta e satisfaz.
Supor amores ideais,
Forjá-los, pois, pela razão
Não me fazem querer, voraz,
Calar a voz do coração.

Crer em mim? Não posso jamais,
Mas convém crer na ilusão
De que a mente possa, eficaz,
Calar a voz do coração. 


08/06/2012

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Balada do Adágio Alegre

Se o dinheiro não vai às compras
Aluga ou ordena buscar,
Seja de Falópio as trompas
Ou à velhice retardar!
Dizem: "Não traz felicidade!"
Mas até ela pode levar.
Não importa a dificuldade:
Tarda, mas não falha chegar!

Que alegria não traz o pão
A quem nem o pode comprar?
Duas passagens de avião
Para uma vontade matar?
Para que ter na mão uma ave,
Se não há gaiola a botar?
Para o dinheiro nada é grave:
Tarda, mas não falha chegar!

Se atrai para si o impossível
Que dirá o que pode mudar:
O carater mais inflexível
Possui forças para dobrar.
Faz, do maltrapilho sem teto,
Bem quisto, vestido, com lar;
Faz do imperfeito mais completo...
Tarda, mas no falha chegar!

É a chave do mundo moderno:
Qualquer tranca vai aceitar!
- Se aceita no céu ou inferno?
Tarda, mas não falha chegar!

06/06/2012

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Campanha do Agasalho
ou
A Roupa Invisível do Rei



Palavras são roupas.
 Veste-as, o pensamento,
 Quando sai de casa.

E há tantas roupas
 Espalhadas pelo mundo
 Que chega a ser estranho
 Haver cada vez mais;
 E cada vez menos haver
 Gente bem vestida!

De que adianta
 Vestir-se por fora
 E permanecer nú
 E com frio
 E sozinho
 E esquecido
 Por dentro?

Cedo ou tarde
 Todas as palavras
 Saem de casa
 E ganham as ruas...

E todos saberão onde moramos
 E todos ouvirão como nos vestimos!


01/06/2012