domingo, 15 de julho de 2012

O Corvo x a araponga

     
     O tradutor deve apenas cumprir o seu dever: traduzir.

    Não se deve, em hipótese alguma, criar sobre a tradução, inverter a ordem dos versos, colocar sinais onde não há no original e sobretudo, nunca, mas nunca mesmo, se dar ao luxo de omitir aquilo que o autor criou na língua original - salvo exceções raríssimas, como o "eu" em inglês que não fica implicíto no verbo como ocorre na língua portuguesa.

     A edição bilíngue deste livro demonstra apenas a carência de profissionais sérios e dedicados nesta área. A necessidade de expor um produto para o comércio sem o menor apreço pelo leitor.

O mundo carece de outro Fernando Pessoa (vide tradução de O Corvo de Edgar Allan Poe, feita por F.P.).



    Assim é a diferença entre o corvo e a araponga: enquanto um possui dons cognitivos que podem ser tomados como sinais de inteligência a outra é conhecida em todo o Brasil pelo seu grito alto e estridente...

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Um ritmo. Dois corações.



O brilho do olhar
Na face do amante
Lançado à pessoa amada
É um feixe de luz
Uma ponte que une
Lados distantes da estrada.

E o mais da saudade,
Que grita no peito,
É quando ela enfim se cala
Num abraço forte,
O pai dos desejos,
Aquele!, que sempre abala.

Os lábios se unindo;
O beijo de línguas:
A onda feroz que se espalha
Guiando as mãos,
Abrindo caminhos
Como fogo em chão de palha.

Botões arrancados
E roupas dispersas
Em cada degrau da escada:
Um quadro moderno
Caído no chão
À porta do quarto fechada.

(E escuta-se sons:
Suspiros, gemidos,
Vozes suaves, veladas,
Sussurros e risos,
Urros e gritinhos,
Respirações abafadas...)

Os corpos cansados
Famintos procuram
Por algo na madrugada...
Sozinhos em casa,
Nas pontas dos pés...
A dispensa é assaltada!

Dos vários beijinhos
O doce de leite
Escorre em cada bocada.
Goteja nos corpos,
Confeitando as peles:
A sobremesa almejada!

(E escuta-se sons:
Suspiros, gemidos,
Vozes suaves, veladas,
Sussurros e risos,
Urros e gritinhos,
Respirações abafadas...)²

Felizes fizeram
 - Como de outras vezes -
Do corpo a curta morada;
Do cômodo, o ninho;
Dos justos, o sono;
Da noite, a mais estrelada...

E ao raiar do dia,
Saindo do banho
- Colhendo a roupa espalhada -
O olhar dele pousa
Na prova concreta
Da notícia já esperada.

Ao lado da cama,
Agora vazia,
Um convite e a hora marcada.
Além dos dizeres
"Por favor, não venha!"
Havia em letra apressada:

"Passaram-se as horas.
Findara-se o tempo.
Sobre nós tudo desaba.
Não faça mais planos
Que contem comigo:
Tudo, amor, um dia acaba"



junho/julho 2012

segunda-feira, 9 de julho de 2012

O início de tudo...
ou
Eu, mas não por mim...

   
 O início de tudo

   O início de tudo foi num final de ano, algo entre novembro e dezembro que vi o gatinho pela primeira vez, muito sorridente exercendo sua função, que, fui descobrir mais tarde, não tinha nada a ver com ele. Era só meio de vida, como costumo chamar.
    Eu, uma menina recém chegada do interior, ainda com algum sotaque sertanejo, pergunto a ele se entende de batons, ao que ele responde:
    - De tirar, sim!
    Pronto, era tudo o que a guria precisava ouvir pra se certificar (ou pra se enganar) de que o gatinho tava mesmo correspondendo às suas incontáveis entradas na farmácia.
    Alguns meses se passaram e eu não agüentava mais aquele lenga-lenga, aquele flerte que não dava em nada nunca. Aquele fulano não ia tomar a iniciativa? Afinal, eu era uma caipira, uma moça cheia de princípios e vergonhazinhas...
    E daí que o Universo conspirou a meu favor e colocou uma interceptora no meio do caminho para dar um empurrãozinho.
    Nada de sorvetes no Pão de Açúcar.


Parte 2 - o inevitável

    O barato começou mesmo num 17 de abril à noite, sábado, numa Esfiha Chic da Pedroso de Moraes que hoje em dia nem existe mais.
    Foram três (?) chopps pra cada um (ele sempre sabe essa parte melhor que eu).
    Eu não sabia que corria o risco de me apaixonar até ouvir o cara recitar uma boa parte de Tabacaria, um poema aí de um tal Fernando Pessoa.
    Depois a gente ainda foi pr'uma pracinha do lado da Fnac (essa ainda existe, ainda bem), e ele falou de livros, de não se prender a nada, e antes mesmo de eu pensar no depois ele já me quebrou as pernas dizendo: "Eu não namoro ninguém".
    Um mês depois, a constatação veio dele: 
    "A gente tá namorando".
    O nego era foda, a gente se desentedia muito mais do que se entendia.
    Ele porque tinha medo (acho que dele mesmo) e eu porque era valente demais, babaca demais e caipira demais. E menina demais.
    O cara era cheio das piadas.
    _ Benzinho, abre a boca e fecha os olhos!
    _ Hummm, que delícia, o que é?
    _ Não sei, tava lá no chão do quarto...



Parte 3 - Poesia e etecétera

     Eu ria junto, porque era divertido, apesar de tudo.
    Aprendi a gostar de Fernando Pessoa e alguns poemas em particular. Conheci uma cidadezinha perto de Itú e vivi lá coisas inesquecíveis, que vou lembrar durante a minha vida inteira.
    Conheci uma Maysa que não é Maysa, mas que é bonita também e que cozinha divinamente e me tratou como filha desde sempre.
   Com ele eu fiz todas as loucuras possíveis e algumas a gente deixou pra lá por falta de coragem dele.
    Eu aprendi a respeitar New Age, eu assisti ao filme Energia Pura para tentar compreendê-lo melhor, eu ouvi mais do que nunca o verbo matizar, eu aprendi algumas palavras em japonês "onegai chimassu" (?). Acho que isso era "por favor"!
    Eu varri a Avenida Paulista todinha por causa do cara! Fala sério!
    O cara não podia nem pensar em casamento e tudo o que eu queria era dividir a vida com ele.
   Um dia eu pedi pra ele me ensinar a fumar e me arrependi pra sempre. Engasguei três dias sem parar.




Parte 4 - ... nas madrugadas
    Mousse de chocolate nunca mais teve o mesmo sabor, e ele sabe do que eu tô falando.

    Altas aventuras na madrugada dentro do Pão do Açúcar, como um saquinho de catupiry que milagrosamente tava na mão do nego e eu nem vi como ele fez aquilo.
    De la Rose: dispensa comentários e aceita todas as lembranças possíveis e as impossíveis também.
    Só uma vez ele cortou o meu cabelo, lá na Freguesia. Depois disso a gente até combinou algo do tipo pintar e cortar, mas a gente se desentendeu, só pra variar.
    Eu não sei porquê eu ainda falo com esse nego e nem sei porquê eu gosto tanto dele.
    O cara não se dava ao trabalho de me conhecer de verdade.
    Me deixou p da vida no dia em que me disse que não sabia o que me dar de presente de aniversário e que tinha pensado em me dar um Cd do Rick  Martin só porque eu achava o cara bonito.
    Achei o fim da picada, eu sabia tanto dele, como assim ele não sabia o que me dar?


Parte 5 - "as canções que você fez pra mim" (...)
    Eu era a atriz mais apaixonada pelo palco que ele já havia conhecido, era tão simples me dar algo.

    Por falar em Rick Martin, eu me lembro dele com Raimundos:
    "Complicada e perfeitinha, você me apareceu, era tudo o que eu queria, estrela da sorte... que mulher ruim!"
    Com Guilherme Arantes:
    "Entra em cena, faz seu número, faz meu gênero, ser seu fã número 1, ali no gargarejo, jogando beijo".
    Com várias da Madonna...
    Eu amo esse cara de quase trinta anos com essa cara de vinte e poucos, com esse jeito de anjo-demônio, com essa loucura toda e com esse desvario. Porque a gente tem muito em comum, porque a gente tem consciência de um monte de coisas e seria muito mais fácil não ter. Porque a minha vida não teria a mesma graça se ele não tivesse passado por ela.
E eu nem sei mais o que dizer, porque se eu me lembro de um fato, outros dez me vêm à mente e eu me perco toda no meio da magia, do violento, do azul.



sine die (porque entre as viras voltas do mundo ainda temos os corações batendo num único ritmo!)




ps.: para maiores detalhes sugiro a leitura de A Soma de Todas as Coisas

sábado, 7 de julho de 2012

Escapadas Noturnas...



Há noites em que as trevas são mais densas;
Que o fim do túnel se mostra infinito;
Que, se grito, não há eco de grito
E o breu se abre feito tendas imensas.

Eis que abandono a mim; as minhas crenças;
A tudo que poderia ter sido;
A beleza do que hovesse ocorrido
E as verdades e suas desavenças.

Durante horas, correr é o que mais quero,
Despindo-me pelo caminho incerto
Do que não mais desta ventura espero.

Pé ante pé, passo após passo e além mais,
Distanciando-me do que está perto
Sem jamais olhar para trás... Jamais.



1-5/06/2012

terça-feira, 3 de julho de 2012

... E Outras Paisagens



Extraio, dia após dia, de mim
Uma força que sobrepuja a humana
Sem ao menos saber de onde ela emana
A suportar o meu dia sem fim,

Onde há chacais que querem os meus rins,
Cobras que me espreitam pela savana
E uma hiena - sorrindo - desumana
Vestidos de ternos, saias e afins.

Pois cercam-me, estas bestas feras falsas
(Presentes de grego ou beijos de Judas),
Cuja proximidade se faz alças
Tão confiáveis quanto a água imunda!

Vejo que onde se impõe a Lei do Cão,
Mais arriscado é quando se é o leão!


01-03/07/2012