domingo, 20 de julho de 2014

Um Domingo Qualquer








Deitado sobre a grama, sob a sombra de uma árvore frondosa, em um parque público, ele estava quase cochilando de tédio ao folear as páginas de uma revista semanal, quando a viu caminhando em sua direção: pequenos passos firmes, decididos e levemente acelerados conduziam aquela pequena criaturinha.



Um vento lateral alinhara os cabelos castanhos claros dela para o lado direito da face formando uma linda assimetria; normalmente isso a teria incomodado ao ponto de retirar o elástico de cabelo que carregava em um dos pulsos e prendê-los em seguida. Foi quando ele reparou que suas mãozinhas estavam unidas em forma de uma conchinha e no seu rosto o mais belo sorriso que uma criança de quatro anos poderia esboçar.

Ao se aproximar, ela desacelerou os passos tranquilamente e adotou uma postura calma e serena... Igualzinho a mãe, pensou ele e sorriu.

- Aconteceu alguma coisa?

- Shh... – sibilou ela entre os pequenos lábios.

Como se possuísse uma espécie de pequeno e raro tesouro ela se sentou ao lado dele.

- O que tem aí?

- Fala baixo pai!

- Tá - disse ele sussurrando. Mas... o que tem aí?

Ela levou as mãos fechadas em direção ao rosto dele e, suavemente, as abriu um pouco. Ele espiou dentro, mas não conseguiu ver o que era.

- Não consegui ver o que era.

- É uma joaninha!

- É?

- É!

- E por que estamos sussurrando?

- O que?!

- Su - ssu - rran – do: falando baixinho.

- Ah... é para não assustar ela, ora!

Uma brisa suave lhe trouxe um aroma familiar e ele sorriu.

- Não precisamos sussurrar, ela não entende o que falamos.

- Você quem pensa!

Ele riu. A cada dia que se passava, a cada conversa, em cada gesto, ela refletia a beleza e a personalidade da mãe em tudo.

- E o que você pretende fazer com ela?

- Levar ela para casa.

Ele desfez o sorriso e olhou-a intensamente nos olhos.

- Não podemos.

- Por que não?

- Porque, em algum lugar, ela deve ter uma família que está esperando ela voltar.

- Mas... e se não tiver?

- Ana... esse bichinho...

- Joaninha!

- Tá: essa joaninha que você tem entre as mãos não é o tipo de... bichinho que você pode ter em casa. Olhe em volta filha, nossa casa não se parece com um parque que é onde as joaninhas vivem. Além do mais você sabia que elas voam?

- Sabia. Foi ela que veio até eu.

- Até mim. Repete.

- Foi ela que veio até mim.

- Isso. Então, não é justo prender um ser vivo que não fez mal algum a alguém e que foi feito para voar.

- Mas a vovó tem aquele pássaro amarelo...

- ...que fica o dia todo preso e nem canta mais de tanta tristeza que sente!

- Os pássaros... quando estão tristes não cantam!?

- Não só os pássaros...

- Então por que as pessoas prendem eles?

- Egoísmo.

- O que é isso?

- É um sentimento ruim. Surge quando você - e ele apontou o dedo indicador para ela - toma uma decisão sem levar em consideração as consequências que afetarão a outra parte - e moveu o dedo que ainda estava apontado para ela em direção as suas mãozinhas unidas.

- Eu sou ego... ego...

- E - go - ís - ta.

- Egoísta. Eu sou egoísta?

- Não, você não é egoísta, mas está agindo como se fosse. O que sua mãe disse quando você mostrou a joaninha para ela?

Ela levantou a cabeça, olhou em direção a árvore sob a qual estavam, e tornou a olhá-lo novamente.

- Nada.

- Sei...

Ana ficou olhando para as mãos durante um tempo, e através das pequenas expressões que sua face demonstrava, ele percebeu que o pequenino cérebro por trás daquela radiante beleza estava processando as informações para decidir o que faria logo em seguida.

- Eu não me lembro onde eu estava quando ela veio até mim... Queria deixar ela no mesmo lugar.

- Não tem problema, meu anjo, é só soltar. Ela dá um jeito de chegar onde tem que ir.

Enquanto ela abria as mãos, ele se ajeitou e escorou as costas no tronco da árvore. A joaninha demorou um tempo até que se desse conta de que não estava mais presa e voou. Ana sussurrou um “tchau”, sentou-se ao lado do pai e encostou a cabeça em seu peito.

- É verdade...

- O que é verdade, Ana?

- Não são só os pássaros...

Ele ficou digerindo suas próprias palavras que retornaram através da pequena Ana.

- Por que você não vai brincar um pouco filha? Daqui a pouco vamos voltar para casa e você não aproveitou nada deste dia.

A princípio ela deu de ombros, mas tão rápido quanto tinha se decidido por ficar, levantou-se e saiu correndo em direção ao playground.

Ele esboçou um sorriso e disse:

- Você me apronta cada uma, hein mocinha?

Bel se deslocou da parte de trás do tronco da árvore e se sentou ao lado dele.

- Isso foi para mim ou para ela?

- Essa é para você, mocinha. Por que não explicou a ela que não poderia levar a joaninha para casa?

- Por que você explicaria melhor.

- Vai chegar um dia em que será você quem terá que explicar algumas coisas para ela.

- Eu sei... Mas até lá nós duas temos você.

- Sei...

- Eu sei que você sabe... gosto quando já sabe. E por falar nisso, quando foi que você descobriu que eu estava aqui?

- Percebi pelo seu perfume, o vento mudou de direção e entregou sua proximidade; e depois quando ela olhou diretamente para você e você fez um sinal para que ela ficasse em silêncio.

- Como você viu, se estava de costas!?

- Não vi. Ana teria dito que você pediu para que ela viesse me mostrar e perguntar se podia ou não ficar com a joaninha, mas quando você a sinalizou ela ficou confusa e tudo que saiu foi “nada”.

Bel se aninhou ao peito dele, assim como Ana havia feito minutos antes. Agora, próximo ao rosto dele, o inconfundível perfume de Bel era total e predominante. Ela se virou e apoiando a cabeça em seu colo sussurrou:

- Quer saber de uma coisa?

- Quero - respondeu ele no mesmo tom.

- Estou com uma vontade danada de cantar!


São Paulo, 04 de julho de 2014

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