terça-feira, 22 de março de 2011

O vento varreu as folhas secas...

 

O vento varreu as folhas secas
Que estavam no chão da praça de outrora.

A saudade, ao partir, esqueceu no banco de cimento,
Como coisa que se perde e demora-se a notar,
A fria lembrança de algo que fora importante
E hoje talvez não seja mais.

O progresso veio concretizando a paisagem ao redor
E as pessoas disfarçaram colorindo casas roupas lojas bocas e cabelos
De tons que nem a natureza ousou criar.

Os carros e seus motores barulhentos e suas buzinas ensandecidas e seus motoristas exaltados
Assassinaram os sons dos galhos balançando e crescendo,
Dos passos dos pedestres passando,
Do estalo sem vida da folha seca ao ser pisada,
Dos pássaros que desistiram de cantar pois não se ouviam mais
E de outras coisas que se perderam porque não conseguiram acompanhar o ritmo.

(Uma moça solitária chega à praça e no banco senta-se.
Da bolsa a tiracolo tira um envelope e dele uma carta dobrada.
Relê com olhos cansados o conteúdo como fosse novidade
E sentindo a dor a bater-lhe no peito deixa-se chorar mais uma vez.
Dobra a carta com uma certa ternura, coloca-a de volta no envelope,
Seca as lágrimas que ainda não tinham secas à face. E olha
O lugar de outrora com cara de hoje pelos olhos úmidos do agora. E sente
No coração a faca imaginária da despedida a atravessar-lhe. E rasga
Em mil pequenas folhas aquelas folhas. E joga
Sem remorso algum tudo ao solo. E vira-se
E parte.)

O vento varre as folhas secas
Que estão no chão da praça de hoje.

A saudade, ao voltar, há de procurar no banco de cimento,
O que não deveria ter esquecido, mas o fizera,
E, quem sabe, encontre a doce lembrança de algo que fora importante
E, quem sabe ainda o seja...

domingo, 13 de março de 2011

A Soma de Todas as Coisas


"...porque uma parte da minha história,
 é nossa."
- Elaine Grava



Seus olhos azuis me encaravam com tal intensidade que eu nem sabia como lidar com a situação. A camisa apertava o pescoço, o pescoço estrangulava a voz e o calor da noite me deixava mais mole do que já estava... E ela sabia disso, era só olhá-la nos olhos para perceber. Ela me encarava e sorria sutilmente, não tinha pressa: desfrutava o momento como um felino.

- Então... - eu tentei dizer algo, mas a voz saiu engasgada como se eu tivesse engolido um pássaro ou o mesmo estivesse tentando sair de mim pela boca.

- Garganta seca?, é o calor, né? Por que não pedimos algo para beber? - ela disse entre o irônico e o sensual.

Pedimos dois chopes. Eu não tinha levado muito dinheiro e ainda julguei mal o preço das bebidas pela cara do barzinho. O que imaginava dar meia duzia de copos daria apenas três e algumas balinhas de hortelã. Pobre é uma merda. Mas algo me dizia para não se preocupar, afinal de contas era uma moça de traços finos, bem vestida, dessas fresquinhas que, quando bebem ou comem alguma coisa, parecem estar sempre degustando, saboreando aquele bocado ou gole por uns cinco minutos...


Nos conhecemos na farmácia onde eu trabalhava como caixa. Sábado a noite, mês de Março, nenhuma alma viva dentro do estabelecimento a não ser quem trabalhava lá: duas colegas e eu.

Como na maioria das vezes, estava no caixa, quase dormindo, quando ela entrou: loira, olhos azuis, tênis descolado, calça jeans desbotada e uma jaquetinha de sarja que só faltava estar escrito: "acabei de gastar a maior fortuna nela".

Como eu estava sozinho, à frente da loja, nem me dei ao trabalho de sair do caixa para lhe entregar a cestinha. Abaixei a cabeça e comecei a calcular o quanto receberia de salário, menos os descontos, menos a quebra de caixa e coisas do gênero. Devo ter pescado uma ou duas vezes, estava realmente com sono, pois aquele não era meu turno, eu estava cobrindo um funcionário que havia faltado. Levantei-me para espantar o sono e caminhar um pouco pela loja, quando, a alguns estandes a frente, me deparo com a moça.

Lembro-me de ter pensado sobre quanto tempo ela já estava andando pela loja - para lá e para cá - e ainda não tinha escolhido nada. Não tinha um perfil de quem fica enfiando as coisas na bolsa, nos bolsos da calça ou vá lá saber onde mais se pode enfiar algo que se queira roubar, mas mesmo assim entreguei-lhe a cestinha e perguntei se precisava de ajuda.

- Não! - seco, grosso e sem remorso...

Imaginei meia dúzia de palavrões, dei-lhe meu melhor sorriso e gentilmente voltei para o caixa.

Não deve ter passado nem uns três minutos, não me lembro... que tivesse passado meio minuto... cada vez que a olhava andando pela loja mais irritado com a sua presença eu ficava. Levantei-me e fui outra vez em sua direção.

- Tem certeza de que não posso ajudá-la em nada?

- Tenho! - mesmo tom da outra vez.

- Não... sabe o que é... é que você já está um bom tempo andando e se disser o que procura não perderia mais tempo!

- Batom... você entende de batom?- usando o mesmo tom das outras vezes, mas com uma pitada de ironia.

- Cores e marcas não... de tirar sim! Só um momento por favor.

Chamei uma das meninas que estava no fundo da loja, pedi para que ajudasse a desorientada e fui para o caixa.

Inevitavelmente acabei atendendo-a em seguida. Ela pediu desculpas por ser grossa, eu pedi por ser insistente e coisas assim. Ela pagou e foi embora. E teria ficado por isso mesmo se depois daquele episódio eu não a encontrasse quase todos os dias; e digo quase porque só não a via quando eu estava de folga. Todos os dias cedo ela passava e me cumprimentava com um aceno.

No mês de Abril mudaram meu horário para o turno da tarde. Então passei a vê-la sempre voltando do trabalho. Lembro-me de pensar que parecia uma dessas pessoas que não se cansam nunca da correria do dia-santo: a qualquer hora do dia sempre a sorrir com os olhos...

Certo dia entrou uma senhora na farmácia, se apresentou e me perguntou se eu conhecia uma moça bonita, olhos verdes - verdes?- loira e com um leve sotaque do interior.

- Não me lembro, não mesmo. Olhos verdes... tem certeza?

- Tenho sim, pois é... sabia que se você a convidar para tomar um sorvete ela aceita?

- Não, não sabia... Sorvete?... é mesmo? Tem certeza de que são verdes?

Ela assentiu com a cabeça e assim como veio se foi.

Não me lembrava de conhecer nenhuma loira de olhos verdes com sotaque caipira, ainda mais disposta a fazer uma proposta indireta como aquela. Eu não era feio de dar dó, mas também nunca fui bonito a ponto de alguma mulher se atirar em cima de mim... De qualquer forma fiquei esperando que alguma mulher parecida com a descrição daquela senhora adentrasse pela farmácia e me desse uma dica, mas nada. Enquanto isso todos os dias a outra moça passava e me acenava, seu sorriso e seus olhos azuis...

De repente - e esse de repente demorou duas semanas - me questionei se a tal mulher não teria errado a cor dos olhos; quanto ao sotaque não tinha como eu perceber: ela passava, olhava, sorria e acenava. Uma vez ou outra falava oi por entre os lábios, dada a distância entre o caixa e a calçada, para que eu os lesse.

Quando a vi novamente fiz um gesto para que ela me esperasse que eu queria falar com ela.

- Sabe... outro dia veio uma mulher aqui, Gertrudes, eu acho, e me disse que se eu convidasse uma moça, assim, hum... com suas características para tomar um sorvete ela aceitaria. Só que ela não me disse o nome da moça, mas disse que os olhos eram verdes e que era uma moça do interior... como não apareceu nenhuma moça assim até agora, eu... eu... eu queria saber se você aceita tomar uma cerveja ou um chope no lugar dela...

Ela me olhou meio que sem saber por onde começar:

- Geralda... o nome da mulher é Geralda. E eu não acredito que ela fez isso...

- O que?

- Confundir azul com verde... Então... também não tinha falado sorvete, mas tudo bem... aceito sim.

Ela seguiu a diante e eu voltei para o caixa. O subgerente ocupara meu lugar e estava com uma cara de quem não era mais pago para fazer aquilo. Expliquei a situação para ele, numa linguagem mais masculinizada: gostosinha, loirinha, mais ou menos 1,70 de altura, gatinha, dando mole, etc.

- Sei, sei... Ela é branca, dos olhos azuis e esta usando uma blusa verde bem clara?

- É, é, sim!, você a viu quando veio aqui?

- Sim... ela esta aí: atrás de você!

Quando me virei ela estava sorrindo, aquele sorriso  de quem acabara de ouvir tudo. Fiquei mudo... Sabe aquela hora em que você se pergunta a razão pela qual o avestruz enfia a cabeça em um buraco no chão? Bem, eu descobri o motivo e estava procurando o buraco.

- Atrapalho? 


- ...Não!

- Espero que não. O papo parecia que ia ficar interessante... Mas, quando cheguei em casa me dei conta de que marcamos de sair, mas não escolhemos dia, hora e nem local!

- Sei lá... você pode escolher e...

- Tá bom... hum... Hoje então! Que horas você sai?

- Às dez...

- Então tá... Às dez!

Ela se virou e saiu. O subgerente me cutucou.

- Menina decidida, né?

- Demais... Robson!, você vai ter que me fazer um favor: não tenho um centavo sequer, nada, nadinha mesmo... Você pode me emprestar uma grana?

- De quanto você precisa?

- Sei lá... uns trinta paus dá!

Ele abriu a carteira, mexeu e fuçou, como se procurasse algo que sabia que existia, mas não onde encontrar, e terminou por arrancar uma nota de dez!

- É tudo que eu tenho. Se não quiser...

- Não!!! É melhor que nada...

Quando saí da farmácia ela estava me esperando do outro lado da rua. Havia passado um lápis preto nos cílios - e isso aumentava, e muito a intensidade do azul de seus olhos. Na verdade nem pareciam olhos. Naquela noite, aquilo não eram olhos, eram esferas luminosas.

- Desculpe ter demorado para sair, mas tive que recontar o caixa mais de uma vez... Bem... Conheço um lugar aqui perto, acho que dá para beber alguma coisa e conversarmos sossegados.

Enquanto caminhávamos até o barzinho fomos desfiando o blá-blá-blá habitual de quem acaba de ser conhecer, Qual o seu nome? Erica, e o seu? Henrique, o que você faz? Sou bibliotecária, Que legal, onde? Em uma universidade, (Caraca, pensei), Há quanto tempo trabalha na farmácia? Uns oito ou nove meses, Gosta?, Em alguns momentos vale a pena...

Quando chegamos ao barzinho e vi o cardápio percebi o quanto valia realmente os dez paus... Bela merda!

Quando a bebida chegou à mesa eu dei um golinho no chope e voltei o copo para a mesa.

- Ah... muito bom!

Ela pegou o copo e também deu um golinho... e metade do conteúdo simplesmente desapareceu!!!!

"Tô ferrado", pensei!

- Olha Erica, vou ser bem sincero com você: julguei o livro pela capa. Não estava preparado para a ocasião, mas queria muito vir. Então não vim... er... bem... como eu posso dizer?... preparado monetariamente. E...

- Não se preocupe. O covite foi meu. Eu pago.

- Já que você insiste, eu não vou discutir; mas eu pago os três primeiros e umas balinhas de hortelã se a gente precisar...

Ela riu.

Conversamos sobre um monte de coisas e, quanto mais falávamos, encontrávamos afinidades até onde não deveríamos ter. Pagamos - entre aspas - a conta e nos encaminhamos até a praça mais próxima: houve beijos, agarros e sussurros. Algum tempo depois levei-a para casa e, antes de nos despedir, repetimos a sequência utilizada na pracinha. Despedi-me e fui dormir. Contente.

O tempo foi generoso, da curtição ao namoro não demorou nem uns dois meses. E, como sempre, nos víamos com mais frequência e liberdade aos sábados.

Namorávamos muito. Deixamos em cada rua dos bairros em que passávamos um pouco da nossa paixão desenfreada: amassos em praças ao cair da noite; leituras de poesias em bares e nas portas de nossas casas; bebíamos até rirmos sem saber a razão do riso e toda vez que fazíamos amor parecia que não nos víamos há anos e que nem nos veríamos mais: tínhamos uma fome estranha de um pelo outro...

Mas esta chama que ardia também fora responsável por inúmeras brigas. Muito mais por minha culpa... Nem eu sabia ao certo, mas por mais que gostasse dela, toda vez que sentia que o relacionamento estava navegando para o mar da tranquilidade e segurança, onde navegam as uniões estáveis, algo em mim fazia com que eu me afastasse. Às vezes esquecia de ligar, marcava encontros e não comparecia, coisas assim...

Certa vez marcamos de ir viajar para a cidade em que meus pais moravam - para apresentá-la a eles - e eu, simplesmente, esqueci que tinha de levá-la! Fui viajar sozinho um dia antes do combinado de viajarmos juntos! Até hoje não sei como isso ocorreu! Suponho que a mente tenha se desligado dela, não encontro outra resposta, pois cheguei em casa, fiz a mala, fui à rodoviária e segui estrada a fora.

No dia seguinte minha mãe me disse que tinha uma garota "puta da vida" ao telefone, que se dizia ser a minha namorada e que eu havia esquecido de trazê-la. Conversamos, embora eu só tenha ouvido, pelo telefone e ela me disse que viria de qualquer jeito onde fosse que eu estivesse...

Algumas horas depois fui buscá-la na rodoviária Ela desceu do ônibus com cara de "mato você assim que possível". Cruzou os braços. Fez bico e me olhou...

Uma coisa eu havia aprendido sobre a Erica: seus olhos sempre sabotavam suas ações: eles brilhavam. Pedi desculpas e fui o mais sincero que eu poderia ter sido, muito embora a verdade, mais nela do que em mim, doesse muito mais do que qualquer desculpa. Jurei que nunca mais faria aquilo, que eu era um idiota, que ela me perdoasse, que eu a compensaria... Disse tudo que estava ao meu alcance para que houvesse perdão para o imperdoável... E ela perdoou.

Naquela mesma noite fui ao supermercado comprar algo que não me lembro o que era, e, graças a infeliz idéia da minha mãe, fui sozinho. Por alguma razão que nunca me foi explicada as duas começaram a mexer em umas caixas antigas que eu tinha, mas que já até havia esquecido o que tinha dentro. Encontraram fotos antigas, coisas da escola primaria e algumas cartas...

Ao voltar do mercado encontrei-a chorando no quarto. Foi a primeira vez que a vi chorar. Ao lado dela, sobre a cama, havia cartas e mais cartas. Cartas que eu havia escrito para uma antiga ex-namorada; cartas que eu havia escrito durante e após o namoro, mas que nunca havia enviado; cartas que juravam amor eterno mesmo que estivesse com outra pessoa; cartas que diziam que nada no mundo me faria esquecê-la, que desejava voltar, que estava arrependido por terminar o namoro e coisas do gênero.

Verdade seja dita que na época eu nem me lembrava mais do nome completo da menina das cartas... Mas isso não mudava o fato da Erica as ter lido. Nunca até aquele dia tinha visto algo parecido, imaginava ser impossível magoar um ser humano sem ao menos tocar, dizer ou fazer algo diretamente para ele. Ela quis terminar de ler todas as cartas e eu não a impedi.

Ficamos um bom tempo ali. Não queria que houvesse segredos entre nós, não queria que houvesse mágoas, nem ressentimento entre nós. Seria capaz de responder que ela me fizesse com o máximo possível de sinceridade, mas ela não perguntou nada. Abracei-a, sequei suas lágrimas - que não paravam de escorrer - e a olhei nos olhos. Ainda havia aquele brilho, mas de alguma forma ferido, como se ela tivesse feito a soma de todas as coisas que eu fiz de errado e encontrasse nas cartas a resposta para todos os motivos.

Não conversamos muito naquela noite e no dia seguinte voltamos, cada qual, para nossas casas. Não vou dizer que aquele fato foi o epicentro das coisas ruins na nossa relação, mas foi o pivô de muitas outras que viriam. Ainda mantínhamos a paixão intensa entre nós, os encontros noturnos, toda aquela poesia fluindo de nossas bocas e corpos, os bares e tudo mais.

Mas uma coisa nova havia se instalado entre nós: a dor. Apesar das alegrias que passamos juntos, tivemos muitas brigas, lágrimas, separações e voltas... Entre indas e vindas a história durou uns sete anos.

Um dia ela foi ao meu trabalho. Trazia um livro na mão. Entregou-me e disse-me que eu o havia esquecido em sua casa. Disse, com um certo tom de pesar, que gostava muito de mim, mas que estava aprendendo a gostar mais dela mesma. Olhou para mim como se quisesse perguntar algo, mas apenas esperou em silêncio. Talvez aguardasse por algo que viria... mas não veio.

Pediu para que me cuidasse e despediu-se. Sem beijo. Sem abraço. Apenas um sorriso sem graça e um olhar triste daqueles lindos olhos azuis que naquele momento me serviram como espelhos quebrados: ainda refletindo, mas não como se espera.

Essa foi a última vez que a vi.




Fevereiro/ 2011






In Meroriam:
Elaine Grava
*22/09/1979
+31/07/2013

quinta-feira, 10 de março de 2011

Perdição



E, quando nos seus olhos fito
Algo não consigo evitar...
Como se visse o infinito
Sutil, devolvendo-me o olhar!
Os olhos são espelhos!? Mito!?
Isso me faz questionar:
Por que são só nos seus - não minto! -
Que consigo me reencontrar?


20/01/11

uma tarde vazia



uma tarde vazia
- simplesmente vazia -
perdida no tempo,
no tempo ficou.

nossas faces coladas
- tristemente coladas -
estampadas no passado,
no passado ficaram.

tanto desejo existente
- realmente existente -
contido nos corpos,
nos corpos ficaram.

suas lágrimas quentes
- ardentemente quentes -
que escorreram em mim,
em mim secaram.

então houve um momento
- um tempo no mundo -
nos ponteiros de Deus
nosso beijo: o adeus.

hoje eu sei
- dolorosamente sei -
que nosso futuro,
futuro não tinha.

em poucas semanas
- fugazes semanas -
tudo que eu tinha,
eu tinha e se fora.

na sua despedida
- eterna despedida -
minha outra metade,
metade se foi.

hoje sou menos
- amargamente menos -
do que outrora fui.


06/11/10

e o teu silêncio é u'a prece...



e o teu silêncio é u'a prece
de múltiplos gritos calados
que de dentro da tu'alma tece
a redenção dos teus pecados.
e no seio a agonia cresce:
são sentimentos sufocados,
suplicando àquela prece
p'ra não serem esfacelados.


sine die

Do nada ao nada...



Do nada ao nada...
Para nada...
Parar...
Em uma fração de segundos
Um pulo no tempo:
Ferei parte de tudo
Ou nada serei?

sine die

Metafísica de mim ou Ato de Escrever



Esteriorizar os tormentos da alma,
Torná-los vísíveis (ainda que não!).
Tranpor o universo na palma
E em letras o que vai no coração.
Fazer da Ira mãe gentil da Calma
E a Mente severo pai da Razão.


sine die

Sobre os versos que componho



Sobre os versos que componho
Muitos pouco têm de mim.
A mor parte vem de um sonho
Que eu os colhia num jardim:
A tristeza florescia
Feito folhas de capim
E, por mais que eu as colhia,
Parecia-me não ter fim.


sine die

Perde-se o juizo...



Perde-se o juizo
Ao percorrer a sinuosidade feminina.
Da desenfreada libido
Forma-se o grito sufocado.


sine die

O Sonho de Dante



Toma meu coração.
Devora-o feito fruta.
Nesta tua ânsia abrupta
Faz de mim refeição...



?/10/10

Tempo




Nos ponteiros de Deus,
Entre o tempo e o segundo,
Dentre o momento e o mundo,
Houve um beijo e um adeus.


10/06/98

E se acaso amo o que faço...



E se acaso amo o que faço
E luto p'ra nunca perder
É porque o erro não abraço
E ninguém não quero ser!

Meu corpo, minh'alma: meu aço:
Não há calor p'ra derreter.
Deus me acompanha no que faço
Disso não posso esquecer!


?/10/02

O meu passado me consome...




O meu passado me consome.
É como coisa presente: não some!
Vira e mexe, vem quando quer,
E toda vez se faz mulher...

Quantas amei e não as tive
Como quem se perde e não vive?


sine die

Lembranças

  



Alessandro segurava nas mãos um pedaço de madeira de quase um metro de comprimento. Todos os seus músculos estavam retesados, concentrados naquele pedaço de pau. Seus olhos estavam fixos em mim... Se aquela porra me acertasse com a força que ele estava disposto a usar, e se eu não morresse, passaria o resto da vida ingerindo alimento por um canudinho e cagando por uma sonda no Hospital das Clínicas.

Apesar de ser menor que ele, eu o encarava fixamente. Segurava na mão direita um pequeno objeto que se o acertasse deixá-lo-ia temporariamente desnorteado... Tempo insuficiente para qualquer coisa... Sabia que minhas chances eram as piores possíveis. E ele também: seus olhos estavam fixos em cada movimento do meu corpo e eu procurava uma forma de fazer o mesmo em relação a ele.

Sua língua passou pelos lábios como um predador que saboreia a caça antes mesmo de pegá-la. O suor me escorreu pela nuca... fuga para o improvável?

O que mais era estranho perante a situação é que nem sempre fomos adversários. Muito pelo contrário tínhamos o costume de sair nos finais de semana, tomar umas cervejas, paquerar as menininhas da nossa idade nas baladas... Naquele momento era inevitável não lembrar que já estudáramos juntos. Se a mãe dele era chamada à comparecer na escola devido a algum problema de comportamento a minha também era convidada e vice-versa. Em outras palavras: toda merda que um aprontava o outro era cúmplice, até mesmo quando não era...

Havia umas quinze pessoas, fora nós dois, aquele dia. Estava quente e o calor cozinhava a situação. Algumas pessoas incitavam:

- Anda logo, caralho!!!

- Vai maricas!!!

Apesar de todos agitarem, nem eu nem ele estávamos com pressa. Muito menos eu... A situação era visivelmente desfavorável para mim. Nós nos conhecíamos bem: além de estudarmos juntos durante um bom tempo, também fizemos judô na mesma academia, no mesmo horário. Por isso, cada um sabia onde estava o ponto de pressão do outro. Mas o fato de ele ser uns quinze centímetros mais alto que eu lhe concedia certa vantagem. Muitas vezes eu estava para vencer e era imobilizado porque meus braços não alcançavam o ponto certo para domínio. Outras vezes era por falta de técnica mesmo. Só que naquele dia não estávamos de kimono e faixas, não havia tatame e nem juiz para separar caso a coisa engrossasse e fugisse do controle. Era só eu e ele. E um pedaço de madeira maciça.

Uma imagem me ocorreu naquele instante. Certa vez, houve uma briga na rua ninguém se lembra ao certo como foi que começou, mas de repente havia outros dois amigos se pegando para valer. Alessandro se meteu no meio dos dois e acabou por intermediar a situação. Sabe aquele cara que surge como o pacificador?, pois é, era ele. Colocou a mão no peito dos dois e disse:

- Hoje ninguém briga aqui.

E quando os dois acalmaram, do nada, rapidamente, ele se virou e começou a bater em um deles. Ninguém reagiu, tamanha fora a surpresa. O pessoal da rua nunca soube o motivo da escolha, mas eu sabia: ele escolhera o mais forte, apenas pelo prazer de subjugar. E o fez. Daquele dia em diante todo mundo ficava com o pé atrás quando se tratava de lidar com ele. Inclusive eu. Sempre que ele não estava presente nos referíamos a ele pela alcunha de "Oculto".

Pense num cão que você não conhece, acha na rua, fica com dó e pega para criar. Alimenta, dá banho, carinho, confia sua própria casa a ele e, quando você menos espera, ele morde você e arranca um pedaço da sua carne. Assim era Alessandro.

Todo mundo em volta queria ver o circo pegar fogo e eu ali naquela situação de merda.

- Vai logo, poorraaaa!!!

Para eles era fácil falarem, gritarem, incitarem... alias, sempre é. Mas eu queria ver eles no meu lugar, conhecendo o inimigo como eu conhecia. A maioria escolheria ficar do lado dele e não contra.

Ameacei um gesto. Seu corpo reagiu instintiva e corretamente proporcional a minha ação. Por alguma razão me veio a mente o sansei que nos ensinara judô. Ele vivia falando de um chinês que era estrategista militar:

- Vocês precisam aprender a medir a distância entre vocês e seu oponente. Estimar a quantidade, calcular ações, comparar possibilidade e enxergar a vitória.

Lembrar dele naquele momento me pareceu descabido, mas aquilo já havia impregnado nossos espíritos e se eu sabia, certamente ele  também sabia. Só que ele era a imagem e eu o reflexo.

Ele raspou a madeira no chão e eu segurei o objeto com mais força. Quanto tempo estávamos assim? Três minutos?

Suava tanto que a parte de trás da bermuda já estava encharcada. A minha cabeça parecia fazer pressão contra a tiara que segurava meus cabelos. Eu o olhei nos olhos e não vi nada além de mim mesmo estagnado, com medo de agir...

Dane-se!

Arremessei a bola de tênis em sua direção e... o desgraçado rebateu. A bola voou tão longe que mal consegui acompanhar com o giro da cabeça; corri feito louco para pegá-la e quando consegui ele e seu parceiro de time já tinham cruzado o campo vezes o suficiente para vencer a partida.

Cheguei perto dele arfando:

- Essa... foi... foda!!

- É... mais um pouco e ficaria com câimbras nas pernas!

Mais um pouco e eu desmaiaria, pensei.

Sentamos na calçada. Abrimos umas latas de cerveja e ficamos olhando a próxima equipe de amigos se enfrentarem no jogo de taco. Fizemos tudo que os outros fizeram quando estavam assistindo: incitamos, xingamos e incendiamos o circo só para ver até onde iria.

O mundo é bem melhor quando se tem dezessete anos.



Fevereiro de 2011


Choveu e choveu bem forte...



Choveu e choveu bem forte,
Molhou minhas esperanças.
Trouxe-me o gosto da morte
Regando minhas lembranças.

Vim e fui - do Sul ao Norte -
Esbaldei-me nessas andanças.
Vi... Vivi... Tudo sem cortes
Com olhares de crianças.

Fui alegre... Tive sorte:
O amor me sorriu em danças
E valsei tão cego e forte
Sem me dar pelas cobranças.

E eis que elas vieram fortes
Feito a dor de várias lanças,
Que de aguda traz a morte
A levar as esperanças.


sine die

Belos olhos...



Belos olhos...
Triste semblante.
De tão só parece deserta;
E, no entanto, deve ser
O céu de alguém:
O meu, o seu... de outros
Apenas.


sine die

Minha guerra é comigo...



Minha guerra é comigo:
Sou meu próprio inimigo!

Minh'alma está perdida.
Salva? Só em outra vida!

O desejo da carne amo:
Corpo feminino clamo!

No sexo o suor é fogo.
Gozar?! É fruto do jogo.


18/05/05

Singela, como que andasse descalça sobre a grama...



Singela, como andasse descalça sobre a grama,
A minha idéia de ti passeia tranquilamente
Entre outras tantas recordações.

E, através das horas que me fogem,
Recomponho fragmentos estilhaçados
Das coisas que nunca fizemos
E das emoções que nunca sentimos.



?/05/07